O Universo como um Todo

Cosmologia

Via Láctea

Apesar de fortes restrições interiores, o homem teve aos poucos que abandonar a noção de que tinha qualquer posição central no Universo, e no começo deste século reconheceu que vivemos num planeta nada excepcional, em torno de uma estrela nada excepcional, o Sol, localizada quase na extremidade de uma galáxia normal, a Via Láctea. Esta galáxia faz parte de um grupo de galáxias, o Grupo Local, localizado na periferia de um grande cúmulo de galáxias. Mesmo este cúmulo, o cúmulo de Virgem, é pequeno em relação aos grandes cúmulos de galáxias que podemos observar em outras partes do Universo. Nossa localização no Universo é portanto insignificante.

Aglomerado de Galáxias de Virgem e Distribuição de Galáxias em Grande Escala

Em 1929, Edwin Powell Hubble (1889-1953), usando os telescópios de Mount Wilson, na Califórnia, descobriu que as galaxias estavam se afastando com velocidades proporcionais à sua distância, isto é, quanto mais distante a galáxia, maior sua velocidade de afastamento. Isso constituiu a primeira evidência para a expansão do Universo, já predita por Alexander Friedmann (1888-1925) e Georges-Henri Lemaître (1894-1966).

Apesar da descoberta da expansão do Universo, muitos pesquisadores, inclusive Albert Einstein (1878-1955), acreditavam na Teoria do Estado Estacionário, isto é, que o Universo era similar em todas as direções e imutável no tempo, com produção contínua de matéria para contrabalançar a expansão observada, mantendo a densidade média constante.



Em 1964, a descoberta acidental da radiação de microondas do fundo do universo por Arno A. Penzias (1933-) e Robert Woodrow Wilson (1936-), dos Bell Laboratories, derrubou os últimos crédulos na Teoria do Estado Estacionário, e comprovou a teoria do Big Bang, ou a Grande Explosão. A radiação do fundo do universo é o sinal eletromagnético proveniente das regiões mais distantes do Universo (a 10 bilhões de anos-luz), e que havia sido predita desde os anos 40 por Ralph Alpher e Robert Herman, associados de George Gamow (1904-1968), como a radiação remanescente do estado quente que o Universo se encontrava quando se formou (na verdade quando ele ficou transparente, há 10 bilhões de anos).

A teoria do Big Bang leva em conta que se as galáxias estão se afastando umas das outras, como observado por Edwin Hubble nos anos 30. Então no passado elas deveriam estar cada vez mais próximas, e num passado remoto, 10 a 15 bilhões de anos atrás, deveriam estar todas num mesmo ponto, muito quente, uma singularidade espaço-tempo, que se expandiu no Big Bang. O Big Bang, ou Grande Explosão, criou não somente a matéria e a radiação, mas também o próprio espaço e o tempo. Este é o início do Universo que podemos conhecer.

O padre e cosmólogo belga Georges-Henri Lemaître (1894-1966) foi provavelmente o primeiro a propor um modelo específico para o Big Bang, em 1927. Ele imaginou que toda a matéria estivesse concentrada no que ele chamou de átomo primordial e que este átomo se partiu em incontáveis pedaços, cada um se fragmentando cada vez mais, até formar os átomos presentes no Universo, numa enorme fissão nuclear. Sabemos que este modelo não pode ser correto, pois não obedece às leis da relatividade e estrutura da matéria (quântica), mas ele inspirou os modelos modernos.



Independentemente de Lemaître, o matemático e meteorologista russo Alexander Friedmann (1888-1925) descobriu uma família de soluções das equações da teoria da relatividade geral, a teoria de gravitação que suplantou a de Isaac Newton (1643-1726).



Embora a teoria de relatividade geral, proposta por Albert Einstein (1879-1955) em 1916, só difira da teoria da gravitação de Newton em poucas partes em um milhão na Terra, em grandes dimensões e grandes massas, como o Universo, ela resulta bastante diferente. A família de soluções encontrada por Friedmann e Lemaître descreve um Universo em expansão, e eles são chamados os pais da Cosmologia. As soluções possíveis das equações da relatividade geral incluem expansão eterna ou recolapso. Qual destes modelos representa o Universo real continua um dos cernes da cosmologia moderna.


Em 1940, o físico russo-americano George Gamow (1904-1968) sugeriu um modelo com início oposto ao de Lemaître - fusão nuclear. Ele publicou os resultados em 1948, com Ralph Alpher [e Hans Bethe (1906-)]. O modelo de Gamow iniciou com partículas fundamentais que se aglomeraram em elementos mais pesados, por fusão no Big Bang. Suas idéias estão corretas, excepto que as condições iniciais do Universo não eram apropriadas para fundir o carbono e elementos mais pesados, formando somente H e He em abundância significativa. Os elementos mais pesados foram produzidos mais tarde no interior das estrelas.

Fritz Zwicky

Outro item importante na cosmologia é a chamada matéria escura, postulada pela primeira vez por Fritz Zwicky (1898-1974) nos anos 30. Esta é a matéria extra necessária para explicar as curvas de rotação das galáxias e as velocidades observadas das galáxias em aglomerados, maiores que as explicáveis através da matéria observada, chamada matéria luminosa. Zwicky, um astrônomo suíço trabalhando nos Estados Unidos, observando que a velocidade das galáxias em aglomerados eram muito maiores do que deveriam ser, calculou que a massa do aglomerado deveria ser pelo menos dez vezes maior do que a massa da matéria visível no aglomerado, isto é, da massa em estrelas e gás pertencentes às galáxias. Mais recentemente, se mostrou que a matéria escura também está presente em galáxias individuais.

A matéria escura têm implicações importantes nos modelos de Big Bang, como o do Universo Inflacionário. Este modelo de Universo, proposto em 1979 por Alan Guth, do Massachussets Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, vem de uma das formas das Teorias da Grande Unificação (GUT) das forças forte, fraca, eletromagética e gravitacional, que prevê uma quebra de simetria espontânea tex2html_wrap_inline38 s depois do Big Bang. Esta quebra de simetria, ou transição de fase, faz a gravitação agir repulsivamente, expandindo o Universo um fator de tex2html_wrap_inline40. Depois de tex2html_wrap_inline42 s, a teoria é idêntica ao Big Bang padrão. Outra interpretação da mesma transição de fase é que a liberação do calor latente é que faz o Universo se expandir inflacionariamente.

A teoria inflacionária prevê que a matéria escura não pode ser totalmente bariônica, mas é consistente com matéria escura fria, isto é, neutrinos massivos, por exemplo. O modelo inflacionário prevê ainda que o Universo contém cem vezes mais matéria escura que a matéria que brilha nas estrelas, e portanto que o Universo se contrairia no futuro. Este modelo explicaria a estrutura de grandes paredes e buracos observadas na estrutura de grande escala do Universo, e que não estão casualmente conectadas atualmente, mais o seriam antes da expansão inflacionária. Diz-se que duas regiões não estão casualmente conectadas se, quando a radiação foi emitida por elas, as regiões no espaço estavam mais distantes do que a distância que a luz poderia ter atravessado desde o Big Bang. Entretanto, a mesma Teoria de Grande Unificação que prediz o Universo inflacionário, também prediz que os prótons deveriam decair em tex2html_wrap_inline44 anos, o que não é observado (tex2html_wrap_inline46 anos), de modo que as teorias mais simples da GUT já foram eliminadas. Teorias de grande unificação que permitem a quebra de simetria que formou a assimetria de matéria-antimatéria antes de tex2html_wrap_inline48 segundos, ainda são consistentes com o tempo de decaimento do próton observado.

A matéria escura não emite radiação eletromagnética, e portanto somente podemos detectá -la através da força gravitacional que ela exerce sobre os objetos. A detecção da existência de matéria escura vem do estudo do movimento: movimento de estrelas individuais em galáxias, e o movimento de galáxias em cúmulos de galáxias. Quando aplicamos a lei da gravitação de Newton a estes movimentos, detectamos que a massa é muito maior que a massa visível em estrelas e gás.

O que é esta matéria escura? Se sua quantidade for somente de 5 a 10 vezes maior do que a de matéria luminosa, ela poderia se contituir de partículas normais (bárions), prótons e neutrons, não condensados em estrelas, poeira ou gás, ou deveríamos detectá-los. Poderia entretanto ser composta de buracos negros (objetos colapsados gravitacionalmente), anãs marrons (objetos degenerados mas de massa inferior a estrelas e maiores que Jupiter), e planetas (que não geram sua própria luz). Se entretanto a matéria escura é 100 vezes a luminosa, como a teoria inflacionária exige, então estaria em partículas exóticas ainda não detectadas na Terra, como neutrinos massivos, ou monopolos magnéticos. Se existirem, estas partículas podem compor mais de 90% da massa do Universo, sem participar da formação de estrelas, planetas e seres humanos.

Qual é a idade do Universo? A matéria total do Universo gera atração gravitacional, em que objetos atraem outros objetos (inclusive a luz pela relatividade geral). Esta atração deve diminuir a expansão, o que implica que no passado a expansão era mais rápida. A idade do Universo pode ser calculada, no limite superior, assumindo que a quantidade de matéria é pequena, e que portanto não reduziu a velocidade de expansão significativamente. Podemos então estimar a idade máxima do Universo, tex2html_wrap_inline50, calculando o tempo que as galáxias distantes, movendo-se à mesma velocidade de hoje, levaram para chegar aonde estão. Como a lei de Hubble, que relaciona a velocidade de expansão da galáxia, v, com a distância a esta, d, é dada por tex2html_wrap_inline56, e tex2html_wrap_inline58, então tex2html_wrap_inline60. Atualmente o valor da constante de Hubble, H, está medido entre 57 km/s/Mpc e 78 km/s/Mpc, resultando em tex2html_wrap_inline64 a 17 bilhões de anos (1 Mpc = mega parsec = tex2html_wrap_inline66 km). Levando-se em conta a desaceleração causada pela atração gravitacional, a idade é tex2html_wrap_inline68, isto é, entre 9 e 14 bilhões de anos. Por outro lado, calculando-se a idade das estrelas mais velhas conhecidas, as estrelas dos cúmulos globulares, estima-se entre 13 e 15 bilhões de anos, ainda aproximadamente consistente com esta idade.

Qual é a evolução química do Universo? O Universo se esfria enquanto se expande. Depois de 0.01 s do Big Bang, a temperatura do Universo é de tex2html_wrap_inline70 K. Depois de 3 minutos, a temperatura já baixou a um bilhão de graus Kelvin, ainda 70 vezes mais quente que o interior do Sol. Depois de 700 000 anos, a temperatura já se reduziu a meros 3 000 K. A uma temperatura de tex2html_wrap_inline72 K (tex2html_wrap_inline74), a colisão de 2 fótons pode gerar um par elétron-pósitron, por conversão de energia em massa (tex2html_wrap_inline76). Para gerar prótons, a temperatura tem que ser maior que tex2html_wrap_inline78 K (tex2html_wrap_inline80 milisegundo). A época até uma idade de um milisegundo é chamada de era hadrônica, pois podia formar hádrons (prótons e neutrons).

Note que para um tempo menor que tex2html_wrap_inline82 s (tex2html_wrap_inline84 K), o chamado tempo de Planck [Max Planck (1858-1947)], as teorias físicas conhecidas não se aplicam mais, pelo princípio da incerteza: tex2html_wrap_inline86 (tex2html_wrap_inline88). No tempo de Planck, o raio do horizonte do Universo (raio visível) é tex2html_wrap_inline90 cm. O raio do Universo que continha toda a matéria hoje observada, era menor que um centésimo de centímetro. As teorias físicas se aplicam para tempos maiores que o tempo de Planck, e no modelo do Big Bang, o Universo está em rápida expansão, com temperaturas colossais e altíssima densidade, uma situação lembrando muito uma explosão. Gamow calculou a quantidade de deutério que se formaria neste caso. Era possível obter-se a percentagem observada de deutério, muito maior do que poderia ser formado no interior das estrelas, mas se esta matéria não estivesse banhada por uma radiação de certa intensidade, formar-se-ia muito mais deutério do que o observado. Gamow previu que restos desta radiação deveriam ainda estar banhando todos os corpos celestes.

Como a seção de choque dos neutrinos é extremamente pequena, quando o Universo tinha 1 s, tex2html_wrap_inline92 K, os neutrinos, relíquias da época dominada por interações fracas, não interagiam mais com a matéria, e evoluiram desacopladamente. Estes neutrinos, supostamente sem massa, por terem muito baixa energia, (tex2html_wrap_inline94 K), não podem ser observados. Somente se estes neutrinos forem massivos, poderíamos observá-los por seus efeitos gravitacionais, como massa escura.

A teoria do Big Bang prevê que houve um pequeno excesso de matéria sobre anti-matéria (1 parte em 100 milhões), ou toda a massa seria aniquilada. Prótons e neutrons começam a ficar ligados em núcleos quando o Universo tem tex2html_wrap_inline96, tex2html_wrap_inline98 milhões K, formando hidrogênio, deutério (p+n), e hélio, até uma idade de 4 minutos. O hélio formado é de aproximadamente 25% em massa, próximo do observado. Neste modelo, após 4 minutos, a temperatura já é muito fria para permitir a formação de outros núcleos mais pesados. Depois de 700 000 anos, tex2html_wrap_inline100 K, e os eléctrons se combinam com os núcleos, formando átomos neutros. Como não existem então mais elétrons livres para espalhar os fótons, o Universo passa de opaco para transparente, e a partir de então a matéria e a radiação evoluem indenpendentemente. Esta radiação de 3 000 K, viajando a uma velocidade de 2 milhonésimos abaixo da velocidade da luz é o que detectamos como radiação do fundo do universo. Somente um bilhão de anos depois é que as estrelas e as galáxias começam a se formar. Desde a formação das estrelas mais velhas, somente 10% da massa de hidrogênio inicial pode ter sido convertido em hélio, por fusão nuclear no centro das estrelas. A maior parte deste hélio ainda está no interior das estrelas. Portanto, os 25% de hélio observados no gás interestelar e na atmosfera das estrelas foram necessariamente formados no Big Bang.

Em 18 de novembro de 1989, a NASA lançou um satélite chamado Cosmic Background Explorer (COBE), para analisar detalhadamente a radiação do fundo do universo, operando na faixa de microondas. Como planetas, estrelas, galáxias e nuvens de gás emitem muito pouco microondas, o satélite pode enxergar diretamente a luz que o Universo emitiu quando passou de opaco para transparente, na chamada época da recombinação, entre 300 mil anos e 700 mil anos. Os dados obtidos pelo COBE, mostrados na figura abaixo, fitam perfeitamente um corpo negro com temperatura de 2,735 K, com uma incerteza menor que 1%, valor exato da radiação predita para o gas quente de quando o Universo se formou, visto com um avermelhamento correspondente; a expansão do Universo estica o comprimento de onda pelo mesmo fator que o Universo se expande entre a emissão e a observação. Se o Big Bang tivesse sido caótico, por exemplo, o espectro observado não seria perfeitamente o de um corpo negro, mas seria distorcido para o azul, pelo decaimento das estruturas caóticas.

Em outro experimento do satélite COBE, divulgado em abril de 1992 por George Smoot da Universidade da Califórnia em Berleley, também foram detectadas pequenissimas variações da temperatura nesta radiação (seis partes por milhão).

Nos modelos de formação de galáxias, estas flutuações são necessárias para permitir que a matéria formada posteriormente se aglomerasse gravitacionalmente para formar estrelas e galáxias, distribuídas em grupos, bolhas, paredes e vazios, como observamos. No modelo padrão as estruturas do Universo são formadas a partir da amplificação gravitacional de pequenas perturbações na distribuição de massa inicial. Seria praticamente impossível haver a formação de estruturas observadas, como galáxias, estrelas, planetas, e portanto da Terra e de nós mesmos, sem que houvessem variações de temperatura na radiação do fundo do Universo. Isto porque a radiação e a matéria estiveram em equilíbrio térmico no Universo primordial, e então qualquer irregularidade ocorrida na distribuição inicial de matéria seria refletida na distribuição angular desta radiação. A detecção destas flutuações até então era o principal ponto faltante na compreensão da teoria do Big Bang e da formação e evolução do Universo. As flutuações de densidade observadas pelo COBE poderiam ser oriundas de cordas cósmicas geradas nas transições de fase, ou poderiam ser simples flutuações normais de uma distribuição gaussiana de densidade. Com o esfriamento do Universo, eventualmente a matéria se condensa em galáxias, estrelas se formam, evoluem e morrem, e elementos mais pesados, como carbono, oxigênio, silício e ferro foram gradualmente sendo sintetizados nas estrelas, e espalhados ao meio em explosões de supernovas. Este gás é depois concentrado em outras estrelas, em planetas, e possivelmente em corpos de seres humanos, em alguns destes planetas!


Volta Introdução à Astronomia e à Astrofísica

kepler@if.ufrgs.br
Modificada em 13 Outubro 1997